Como mindfulness (atenção plena) pode contribuir na luta contra o preconceito e a discriminação?
Vamos responder a essa pergunta sob duas perspectivas.
A primeira é com base na ciência contemporânea, no que há de recente a respeito disso. A segunda é de uma perspectiva mais antiga, com base nas origens de mindfulness.
Para a primeira perspectiva, é importante trazer alguns conceitos e fundamentos com base na Psicologia Social. A Psicologia é uma ciência que se ocupa de pesquisar sobre comportamentos e fenômenos mentais, como preconceitos, atitudes e discriminação.
Segundo a Associação Americana de Psicologia (APA), preconceito é uma atitude negativa em relação a outra pessoa ou grupo formada antes de qualquer experiência com essa pessoa ou grupo.
Mas, o que é uma atitude?
Muitas pessoas costumam confundir atitude com comportamento no sentido de Ação. Por exemplo, dizer “Vou tomar uma atitude” queremos dizer “Vou agir/fazer algo”. Mas, sob a perspectiva da Psicologia Atitude é um fenômeno mental, e não uma ação.
Atitude é um avaliação geral e duradoura de um objeto, pessoa, grupo, questão ou conceito em uma dimensão que varia de negativo a positivo. Essa atitude vai de um range entre negativo e positivo. As atitudes fornecem avaliações sumárias dos objetos-alvo e geralmente são derivadas de crenças, emoções e comportamentos passados associados a esses objetos. Portando, não nascemos com atitudes, mas aprendemos a avaliar nossa experiência. Atitudes são uma construção social que geram classificações, categorias e rótulos, com base em julgamentos (positivo ou negativo).
Logo, o preconceito é uma atitude, geralmente negativa a respeito de algo ou alguém. Preconceitos costumam ser padrões rígidos, resistentes à mudança, porque distorcem a percepção sobre a pessoa ou grupo (chamamos isso de viés ou perspectiva única) Sexismo, racismo, homofobia são exemplos de preconceito.
Os preconceitos possuem três componentes:
- Componente afetivo – emoções que variam de um leve nervosismo ao ódio
- Componente cognitivo – pensamentos, suposições e crenças sobre uma pessoa ou grupo
- Componente comportamental – comportamentos negativos dirigido sobre uma pessoa ou grupo
O componente comportamental do preconceito é a discriminação.
Discriminação é um tratamento diferenciado dos membros desses grupos ao qual o preconceito é dirigido. Geralmente envolve um tratamento negativo, hostil e prejudicial às pessoas. Discriminação e o preconceito estão interligados.
Assim, pode-se dizer que a base do preconceito e da discriminação é a construção de categorias com base em julgamentos, juízos de valor.
Mindlessness versus Mindfulness
A autora Ellen Langer é considerada a “mãe” do conceito ocidental de mindfulness.
Langer dedicou sua carreira como pesquisadora a estudar um fenômeno chamado mindlessness. Se mindfulness é traduzido como “atenção plena”, podemos chamar o oposto mindlessness de “desatenção plena”.
A autora descreve essa desatenção plena como um estado mental de piloto automático. Quando agimos no piloto automático, nossa mente recorre à categorias previamente construídas para direcionar nossa forma de lidar com a realidade. Ou seja, é enxergar e interpretar o mundo, a nós e aos outros com base numa única perspectiva – aquela já conhecida.
Isso acontece porque a mente no estado mindless (desatento) se considera uma expert. Uma vez que um conceito ou uma classificação é formada, ela julga já saber sobre o tema e descarta novas informações, fechando-se e se tornando inflexível.
Langer é categórica ao afirmar que acredita que todos os nossos (seres humanos) problemas – pessoais, interpessoais, profissionais e sociais – diretamente ou indiretamente têm origem no mindlessness (veja referencia ao final, p. 13).
Assim, a autora se propõe a explicar como mindfulness pode mudar isso. Langer apresenta três características-chave da mente no estado mindfulness:
1. Criação de novas categorias
Isso quer dizer questionar categorias antigas e velhas, desconstruir essas categorias, e criar novas categorias. Novidade é coisa da mente mindul, pois a mente no estado mindfulness considera que sempre pode aprender algo novo sobre as mesmas coisas. A mente mindfulness enxerga o mundo com a uma “mente de principiante”. Ë importante dizer que, a partir do momento que novas categorias são criadas, elas novamente são questionada, desconstruídas e transformadas, mim processo contínuo de aprendizado.
Não seria ótimo todo dia descobrir algo novo sobre o mundo?
2. Abertura à novas informações
Estamos recebendo novas informações o tempo doto, mas no modo mindless, a mente expert descarta a informação, se fecha e não recebe nada novo. Já no modo mindfulness, a mente se coloca de forma aberta, num processo de continuo feedback (retroalimentação) da experiência.
3. Consciência de mais de uma perspectiva
Enxergar as coisas sob vários pontos de vista é característica de consciência e de atenção plena. Isso nos ajuda a enxergar o outro lado, o lado da outra pessoa, exercitando flexibilidade cognitiva e emocional.
Portanto, exercitando o estado mindfulness, é possível questionar e mudar antigos padrões, crenças, conceitos, categorias… de modo que nos tornamos mais conscientes, criativos, espontâneos e passíveis de agirmos com base numa perspectiva mais ampla, mais sistêmica.
Perspectiva Milenar e Filosófica
Sobre a segunda perspetiva, traremos brevemente alguns elementos da origem filosófica de mindfulness. Mindfulness é o coração de uma tradição filosófica milenar e oriental. Em sua essência, mindfulness considera que todos os seres são iguais e compartilham a mesma condições humana. Somos feitos da mesma essência, todos queremos evitar o sofrimento e ser felizes.
Partindo deste princípio, de compartilhamento da mesma essência, toda ação dirigida a alguém é como uma ação dirigida a si mesmo. Ao fazer o bem para outra pessoa, se faz o bem a si mesmo. E fazer o mal a alguém também é como fazer o mal a si.
Praticando mindfulness, exercitamos atitudes como não julgamento, mente de principiante, abertura, gentileza e paciência, que são fundamentos de mindfulness, esperando que todos possam estar bem e livres de sofrimento. Desenvolva o estado mindfulness e desconstrua preconceitos.
Cultive presença, gentileza e abertura. Cultive mindfulness!
Fontes:
- Langer, E. J. (2014). Mindfulness (25th anniversary edition). Da Capo Press.
- Leal, N. S. B., Soares, M. F., Rocha, I. T. da, & Ribeiro, C. G. (2013). A atitude dos universitários em relação ao profissional de limpeza urbana. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(4), 946–963. https://doi.org/10.1590/S1414-98932013000400013
- VandenBos, G. R., & American Psychological Association [APA] (Orgs.). (2015). APA dictionary of psychology (2o ed). American Psychological Association.